quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

HIPERTEXTO



1º) Quais as principais características do hipertexto?


  • Princípio da metamorfose: A Rede Hipertextual está em constante construção e renegociação.
  • Princípio da Heterogeneidade: Os Nós e as conexões de uma rede hipertextual são heterogêneos
  • Princípio da multiplicidade e de encaixe das escalas; O Hipertexto se organiza em um modo fractal, ou seja, qualquer nó ou conexão quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede.
  • Princípio de Exterioridade; A rede não possui unidade orgânica nem motor interno. Seu crescimento e sua diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um exterior indeterminado.
  • Princípio de Topologia; Nos Hipertextos tudo funciona por proximidade por vizinhança.
  • Princípio da Mobilidade dos centros; A Rede Não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros, que são como pontas luminosas perpetuamente móveis.
        

2º) Como surgiu o hipertexto?



O hipertexto é uma realidade na vida da maioria dos usuários da web, e graças a ele a informação ganhou dinamismo, e o leitor, novas possibilidades de leitura. A leitura costumava ser um processo linear e hierarquizado, até que um dia fomos agraciados pelas inovações tecnológicas que nos permitem acessar qualquer tipo de informação a qualquer hora e lugar, basta que estejamos conectados à internet. Essa democratização da informação alterou nossa relação com o conhecimento e também modificou os processos de leitura e escrita de textos. Saiu a burocracia dos papéis e entraram o dinamismo e a interatividade que os suportes tecnológicos nos fornecem. Essa maravilha da era digital só foi possível porque, na década de sessenta (1965), um homem visionário imaginou ser possível a criação de um tipo de texto eletrônico através de uma tecnologia radicalmente nova, para denominar a forma de escrita/leitura não linear na informática, pelo sistema “Xanadu”. Até então a ideia de hipertextualidade havia sido apenas manifestada pelo matemático e físico Vannevar Bush através do dispositivo “Memex” em 1945. Seu nome é Theodor H. Nelson, filósofo, sociólogo e pioneiro da Tecnologia da Informação, responsável pela origem do hipertexto. A partir de sua grande ideia, que serviu de parâmetro de pesquisa, outros cientistas puderam desenvolver, ao longo de décadas, aquilo que é realidade hoje. A idéia de hipertexto nasce da investigação sobre o funcionamento da mente humana onde as interpretações são construídas por associações formando uma rede intrincada. Bush pensou num mecanismo que utilizá-se o mesmo processo de acesso aleatório à memória para permitir a consulta de dados de uma forma rápida e flexível. Para alguns estudiosos, o hipertexto é uma estrutura interativa de apresentação que possui três componentes principais: uma base de dados textual; uma rede semântica entre diferentes unidades temáticas e ferramentas informáticas. Sua navegação é baseada em elementos gráficos conhecidos por ícones, que interligam-se à base de dados, à rede semântica e às unidades temáticas através de um mecanismo conhecido por link. 

3º) Na sua concepção, qual a importância de se compreender o hipertexto?


O hipertexto é uma ferramenta riquíssima de possibilidades de acesso à informação e ao conhecimento de auxílio profissional indiscutível. Na sala de aula o trabalho com hipertexto pode impulsionar o aluno à pesquisa e à produção textual. Como ferramenta de ensino e aprendizagem facilita um ambiente no qual a aprendizagem acontece de forma construtiva por descoberta, pois ao tentar localizar uma informação, os usuários de hipertexto, participam ativamente de um processo de busca e construção do conhecimento. Por fim, o trabalho com o hipertexto além de inserir o aluno e o processo educativo no mundo digital, favorece à colaboração, uma atividade que trás inúmeros benefícios no que se refere à construção individual e coletiva do conhecimento, os alunos aprendem mais e através de diversas fontes. A noção de hipertexto também pode ser encontrada em meios físicos, como os livros. Quando você acessa uma nota de rodapé, um verbete do dicionário e até mesmo um verbete de enciclopédia para complementar ou entender melhor um determinado texto que está lendo, você também está criando seu hipertexto. A diferença é que, na internet, o hipertexto encontrou seu meio de vida ideal, já que graças a ela temos acesso ilimitado a outros textos de forma instantânea. Você não precisa interromper sua leitura e procurar por um dicionário para acessar o significado de uma palavra, pois todo esse processo pode ser feito através de poucos cliques no mouse ou toques na tela.

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quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

ROMANTISMO

O Romantismo brasileiro surgiu em 1836 com a publicação de “Suspiros Poéticos e Saudades” de Gonçalves de Magalhães. Mas se originou mesmo na Alemanha e Inglaterra no final do séc. XVIII e se desenvolveu no Brasil durante o séc. XIX. O estilo romântico revela-se inicialmente idealista e sonhador, depois, crítico e retórico mas sempre sentimental e nacionalista.
A característica principal da Poesia Romântica é a expressão plena dos sentimentos pessoais, com os autores voltados para o seu mundo interior e fazendo da literatura um meio de desabafo e confissão. A vida passa a ser encarada de um ângulo pessoal, em que se sobressai um intenso desejo de liberdade.

CARACTERÍSTICAS GERAIS:

-Exaltação dos sentimentos pessoais;
-Expressa os estados da alma;
-Exaltação da liberdade, igualdade e reformas sociais;
-Valorização da natureza;
-Sentimento nacionalista

A primeira fase do Romantismo brasileiro, compreendida entre os anos de 1836 e 1852, caracterizou-se pela busca de definição de uma identidade nacional. Reunidos em torno de Gonçalves de Magalhães, cuja obra Suspiros Poéticos e Saudades, de 1836, é tida como marco fundador do movimento no Brasil, um grupo de homens públicos e letrados articulou a formação de um clima de opinião favorável à autonomia cultural do país. O processo de emancipação desencadeado daí em diante deve ser entendido, no plano cultural, como o equivalente da independência política, conquistada em 1822.
O fervor patriótico desse grupo, integrado por Martins Pena, Francisco Adolfo de Varnhagen e João Manuel Pereirada Silva, entre diversos outros, manifestou-se inicialmente por meio da imprensa, que desde a chegada de D. João VI, em 1808, tomava impulso no país. Nas três primeiras décadas do século XIX, foram fundadas dezenas de jornais e revistas, a maioria de duração efêmera. Mas a proliferação desses periódicos, geralmente dedicados à política, literatura e ciências, exprime a urgência e o anseio de expressar e fazer circular publicamente o conhecimento e a opinião.
A revista Niterói, fundada em 1836 por Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre e Francisco SalesTorres-Homem, participa desse contexto de florescimento da imprensa. A publicação, também de cunho científico, literário e artístico, foi fundada em Paris e tinha como epígrafe a frase "Tudo pelo Brasil e para o Brasil", e foi a primeira a promover a difusão consciente do Romantismo no país. O programa de reforma e nacionalização da literatura brasileira, veiculado por artigos e estudos publicados na revista, tinha origem nas idéias do escritor português Almeida Garrett e do historiador francês FerdinandDenis (1798 - 1890), pioneiro no estudo da literatura brasileira.
Foi à poesia, porém, que coube o papel de consolidação do Romantismo no país. Mais especificamente a Gonçalves Dias, o poeta mais representativo da primeira fase do movimento. Em poemas de temática indianista, como I- Juca Pirama, ou patriótica, como Canção do Exílio, ele transformou em experiência o que antes era apenas tema. A transformação fica evidente ao se comparar "O Dia 7 de Setembro", de Gonçalves de Magalhães, com a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias. O assunto comum - o amor e a saudade da pátria - é abordado em tom protocolar e oficial no poema de Magalhães, ao passo que Gonçalves Dias harmoniza rigor formal e sentimento num poema ainda hoje capaz de fazer vibrar as cordas do amor pelo país natal.
Graças à complexidade dos recursos formais empregados por Gonçalves Dias, saudade, melancolia, natureza, índio, enfim, toda a galeria temática do Romantismo ganha significado para além da tentativa de se fazer um mero registro da realidade do país.
A primeira geração:
(Nacionalista–indianista) era voltada para a natureza, o regresso ao passado histórico e ao medievalismo. Cria um herói nacional na figura do índio, de onde surgiu a denominação de geração indianista. O sentimentalismo e a religiosidade são outras características presentes.
Principais autores: podemos destacar Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre. Gonçalves de Magalhães foi o introdutor do Romantismo no Brasil.
Principais obras: Suspiros Poéticos e Saudades. Gonçalves Dias foi o mais significativo poeta romântico brasileiro. Obras: Canção do exílio, I-Juca-Pirama. Araújo Porto Alegre fundou com os outros dois a Revista Niterói-Brasiliense.
Características: nacionalismo ufanista, o indianismo, o subjetivismo, a religiosidade, o brasileirismo (linguagem), a evasão do tempo e espaço, o egocentrismo, o individualismo, o sofrimento amoroso, a exaltação da liberdade, a expressão de estados de alma, emoções e sentimentalismo.
No Romantismo, o indivíduo sente-se em desajuste com a sociedade, por isso a necessidade de fugir da realidade. Um dos mecanismos usados para fugir da realidade é voltar-se para o passado.
No Romantismo europeu, a volta ao passado histórico leva à Idade Média, onde estão as origens das nações europeias. Mas, como o Brasil não teve Idade Média, voltar ao passado significa redescobrir o país antes da chegada dos europeus, quando era habitado por nações indígenas.
Valorização da natureza 
Outro mecanismo usado para fugir da realidade é voltar-se para paisagens novas, que podem ser exóticas, como o Oriente, ou primitivas, como a selva. Por isso, uma das características da nossa primeira geração romântica é a valorização da natureza pátria. Assim como o índio, foi escolhida como um dos símbolos da nacionalidade brasileira, como ocorre nos versos de Gonçalves Dias, do poema Canção do Exílio (1843), um dos mais citados em nossa cultura.
O tema que fascinou os escritores da segunda geração romântica brasileira foi a morte. Nas obras dos escritores desse período está presente uma visão negativa do mundo e da sociedade, onde expressam seu pessimismo e sentimento de inadequação à realidade, pois viviam uma vida desregrada, dividida entre os estudos acadêmicos, o ócio, os casos amorosos e a leitura de obras literárias, como as de Musset e Byron.
A segunda geração, também conhecida como ultrarromantismo, encontra no Brasil discípulos fervorosos, que diante do amor apresentam uma visão dualista, envolvendo atração e medo, desejo e culpa. Em seus poemas, a imagem de perfeição feminina apresenta os traços de morte, condenando implicitamente qualquer forma de manifestação física do amor.
Álvares de Azevedo (1831- 1852)
Pode-se dizer que sua obra possui características góticas, pois retratam paisagens sombrias, donzelas em perigo, personagens misteriosas, envoltas em vultos e véus entre outros.
O amor para Álvares de Azevedo é visto sob um plano imaterial, consequentemente, a figura feminina representa algo intocável. A começar pelo título (Pálida Inocência) infere-se que tal constatação se perfaz de extrema veracidade, pois o adjetivo “pálida” revela aquela mulher natural, isenta de quaisquer elementos que possam despertar senão o respeito e adoração, representando, portanto, alguém com poderes divinos, santificados. Mesmo que o eu-lírico manifeste desejos, esse amor está aquém de suas vontades, ficando somente no plano dos sonhos.
A frustração presente em sua obra é amenizada apenas através da lembrança da mãe e da irmã. Além disso, a perspectiva da morte, apesar de assustadora, traz conforto por saber que cessará a dor física causada pela doença e pelos sofrimentos amorosos do poeta.
Casimiro de Abreu (1839-1860)
Os aspectos formais de sua obra são considerados fracos, porém, sua temática revela grande importância no desenvolvimento da poesia romântica para as letras brasileiras. Sua linguagem simples, acompanhada por um ritmo fácil, rima pobre e repetitiva revelam um poeta empenhado na expressão dos sentimentos saudosistas com relação à pátria e à infância.
Fagundes Varela (1841-1875)
sua obra cresce consideravelmente em função das amarguras da vida causadas pelas perdas dos filhos (outro filho seu morre, também prematuramente) e da esposa. Ela é variada e gira em torno da exaltação da natureza e da pátria, da morte, do mal-do-século, do sentimento religioso, além de poemas que tratam da abolição da escravatura em que prega uma América livre, como é o caso dos poemas presentes no conjunto Vozes da América (1864). Faleceu jovem, aos trinta e três anos.
A terceira geração é também conhecida como “O condoreirismo”, os poetas dessa geração apresentam estilo grandioso ao tratarem de temas sociais, eram comprometidos com a causa abolicionista e republicana desenvolvendo, assim, a poesia social.
Castro Alves é o poeta que mais se destaca. Inspirado nos princípios de VictorHugo, ele começa a escrever poemas sobre a escravidão. Há, retratado em seus poemas, o lado feio e esquecido pelos primeiros românticos: a escravidão dos negros, a opressão e a ignorância do povo brasileiro.
Castro Alves ficou conhecido como “o poeta dos escravos”.
Uma das principais características de sua obra é a eloquência, a utilização de hipérboles, de antíteses, de metáforas, comparações grandiosas e diversas figuras de linguagem, além da sugestão de imagens e do apelo auditivo. O poeta também faz referência a diversos fatos históricos ocorridos no país, tais como a Independência da Bahia, a Inconfidência Mineira (presente na peça O Gonzaga ou a Revolução de Minas)
Diferentemente dos poetas da primeira geração, individualistas e preocupados com a expressão dos próprios sentimentos, Castro Alves demonstra preocupação com os problema sociais presentes na sua época. Demonstra também um certo questionamento aos ideais de nacionalidade, pois, de que adiantava louvar um país cuja economia estava baseada na exploração de sua população (mais especificamente dos índios e dos negros)?

A visão do poeta demonstra paixão e fulgor pela vida, diferentemente dos poetas ultrarromânticos da geração precedente.
a) poesia lírico-amorosa: a poesia lírico-amorosa está associada ao período em que o poeta esteve envolvido com a atriz portuguesa Eugênia Câmara. Assim, a virgem idealizada dá lugar a uma mulher de carne e osso e sensualizada. No entanto, o poeta ainda é um jovem inocente e terno em face a sua amada corporificada e cheia de desejo.
b) poesia social: poeta da liberdade, Castro denuncia as desigualdades sociais e a situação da escravidão no país, além de solidarizar-se com os negros, que eram trazidos de modo precário dentro dos navios negreiros. Castro clamava à natureza e às entidades divinas para que vissem a injustiça cometida pelos homens sobre os homens e interviessem para que a viagem rumo ao Brasil fosse interrompida.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O BARRIL DO "AMONTILLADO" (Por Edgar Allan Poe )

Suportei o melhor que pude mil e uma injúrias de Fortunato; mas quando começou a entrar pelo insulto, jurei vingança. Vós, que tão bem conheceis a natureza da minha índole, não ireis supor que me limitei a ameaçar. Acabaria por vingar-me; isto era ponto definitivamente assente, e a própria determinação com que o decidi afastava toda e qualquer idéia de risco. Devia não só castigar, mas castigar ficando impune. Um agravo não é vingado quando a vingança surpreende o vingador. E fica igualmente por vingar quando o vingador não consegue fazer-se reconhecer como tal àquele que o ofendeu.
Deve compreender-se que nem por palavras, nem por atos, dei motivos a Fortunato para duvidar da minha afeição. Continuei, como era meu desejo, a rir-me para ele, que não compreendia que o meu sorriso resultava agora da idéia da sua imolação.
Tinha um ponto fraco, este Fortunato sendo embora, sob outros aspectos, homem digno de respeito e mesmo de receio. Orgulhava-se da sua qualidade de entendido em vinhos. Poucos italianos possuem o verdadeiro espírito de virtuosidade. Na sua maior parte, o seu entusiasmo é adaptado às circunstâncias de tempo e de oportunidade para ludibriar milionários britânicos e austríacos. Em pintura e pedras preciosas, Fortunato, à semelhança dos seus concidadãos, era um charlatão, mas na questão de vinhos era entendido. Neste aspecto eu não diferia substancialmente dele: eu próprio era entendido em vinhos de reserva italianos, e comprava-os em grandes quantidades sempre que podia.
Foi ao escurecer, numa tarde de grande loucura da quadra carnavalesca, que encontrei o meu amigo. Acolheu-me com excessivo calor, pois bebera demais. Trajava de bufão; um fato justo e parcialmente às tiras, levando na cabeça um chapéu cônico, guarnecido de guizos. Fiquei tão contente de encontrá-lo, que julguei que jamais estreitaria a sua mão como naquele momento.
-- Meu caro Fortunato, disse-lhe eu, foi uma sorte encontrá-lo. Mas, que bom aspecto tem você hoje! Recebi um barril como sendo de Amontillado, mas tenho minhas dúvidas.
-- Como? -disse ele - Amontillado? Um barril? Impossível! E em pleno carnaval!
-- Tenho minhas dúvidas -repeti - e seria tolo que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto. Não conseguia encontrá-lo em parte alguma, e receava perder um bom negócio. 
http://qkantton.files.wordpress.com/2010/05/amontillado.jpg 
-- Amontillado!
-- Tenho minhas dúvidas.
-- Amontillado!
-- E preciso efetuar o pagamento.
-- Amontillado!
-- Mas, como você está ocupado, irei 
a procura de Luchesi. Se existe alguém que conheça o assunto, esse alguém é ele. Ele me dirá...
-- Luchesi é incapaz de distinguir entre um Amontillado e um Xerez.
-- Não obstante, há alguns imbecis que acham que o paladar de Luchesi pode competir com o seu.
-- Vamos, vamos embora.
-- Para onde?
-- Para as suas adegas.
-- Não, meu amigo. não quero abusar de sua bondade. Penso que você deve ter algum compromisso. Luchesi...
-- Não tenho compromisso algum. Vamos.
-- Não, meu amigo. Embora você não tenha compromisso algum, vejo que está com muito frio. E as adegas são insuportavelmente úmidas. Estão recobertas de salitre.
-- Apesar de tudo, vamos. Não importa o frio. Amontillado! Você foi enganado. Quanto a Luchesi, não sabe distinguir entre Xerez e Amontillado.
Assim falando, Fortunato tomou-me pelo braço. Pus uma máscara de seda negra e, envolvendo-me bem em meu roquelaire, deixei-me conduzir ao meu palazzo.
Não havia nenhum criado em casa, pois que todos haviam saído par celebrar o carnaval. Eu lhes dissera que não regressaria antes da manhã seguinte, e lhes dera ordens estritas para que não arredassem o pé da casa. Essas ordens eram suficientes, eu bem o sabia, para assegurar o seu desaparecimento imediato, tão logo eu lhes voltasse as costas. Tomei duas velas de seus candelabros e, dando uma a Fortunato, conduzi-o, curvado, através de uma seqüência de compartimentos, à passagem abobadada que levava à adega. Chegamos, por fim, aos últimos degraus e detivemo-nos sobre o solo úmido das catacumbas dos Montresor.
O andar do meu amigo era vacilante e os guizos de seu gorro retiniam a cada um de seus passos.
-- E o barril? -perguntou.
-- Está mais adiante - respondi. -- Mas observe as brancas teias de aranha que brilham nas paredes dessas cavernas.
Voltou-se para mim e olhou-me com suas nubladas pupilas, que destilavam as lágrimas da embriaguez.
-- Salitre? - perguntou, por fim.
-- Salitre - respondi. - Há quanto tempo você tem essa tosse?
Meu pobre amigo pôs-se a tossir sem cessar e, durante muitos minutos, não lhe foi possível responder.
-- Não é nada - disse afinal.
-- Vamos - disse-lhe com decisão. -- Vamos voltar. Sua saúde é preciosa. Você é rico, respeitado, admirado, amado; você é feliz, como eu também o era. Você é um homem cuja falta será sentida. Quanto a mim, não importa. Vamos embora. Você ficará doente, e não quero arcar com essa responsabilidade. Além disso, posso procurar Luchesi...
-- Basta - exclamou-ele. -- Esta tosse não tem importância; não me matará. Não morrerei por causa de uma simples tosse.
-- É verdade, é verdade. - respondi. ---- E eu, de fato, não tenho intenção alguma de alarmá-lo sem motivo. Mas você deve tomar precauções. Um gole deste Medoc nos defenderá da umidade.
E, dizendo isto, parti o gargalo de uma garrafa que se achava numa longa fila de muitas outras iguais,sobre o chão úmido.
-- Beba -disse, oferecendo-lhe o vinho...
Levou a garrafa aos lábios, olhando-me de soslaio. Fez uma pausa e saudou-me com familiaridade, enquanto seus guizos soavam.
-- Bebo - disse ele - á saúde dos que repousam enterrados em torno de nós.
-- E eu para que você tenha vida longa... Tomou-me de novo o braço e prosseguimos. -- Estas cavernas - disse-me - são extensas.
-- Os Montresor - respondi - formavam uma família grande e numerosa.
-- Esqueci qual o seu brasão.
-- Um grande pé de ouro, em campo azul... O pé esmaga uma serpente ameaçadora, cujas presas se acham cravadas no salto.
-- E a divisa?
-- Nem me impune lacessit.* -- Muito bem! - exclamou.
O vinho brilhava em seus olhos e os guizos retiniam. Minha própria imaginação se animou, devido ao Medoc. Através de paredes de ossos empilhados, entremeados de barris e tonéis, penetramos nos recintos mais profundos das catacumbas. Detive-me de novo e, essa vez, me atrevi a segurar Fortunato pelo braço, acima do cotovelo.
-- O salitre! exclamei. -- Veja como aumenta. Prende-se, como musgo, nas abóbadas. Estamos sob o leito do rio. As gotas de umidade filtram-se por entre os ossos. Vamos. Voltemos, antes que seja tarde demais. Sua tosse...
-- Não é nada - respondeu ele. --Prossigamos. Mas antes, tomemos outro gole de Medoc.
Parti o gargalo de uma garrafa de vinho De Grâve e dei-a a Fortunato. Ele a esvaziou de um trago. Seus olhos cintilaram com o brilho ardente. P6os-se a rir e atirou a garrafa para o ar, com gesticulação que não compreendi.
Olhei-o surpreso. Repetiu o movimento, um movimento grotesco.
-- Você não compreende? - perguntou. ---- Não, não compreendo. -respondi.
-- Então é porque você não pertence a irmandade. -- Como?
-- Não pertence a maçonaria. -- Sim, siiim. Pertenço.
-- Você? Impossível! Um maçom? -- Um maçom. - respondi.
-- Prove-o - disse ele.
-- Eis aqui - respondi, tirando debaixo das dobras de meu roquelaire uma colher de pedreiro.
-- Você está gracejando! - exclamou recuando alguns passos. -- Mas prossigamos: vamos ao Amontillado.
-- Está bem - disse eu, guardando outra vez a ferramenta debaixo da capa e oferecendo-lhe o braço. Apoiou-se pesadamente em mim. Continuamos nosso caminho, em busca do Amontillado. Passamos através de uma série de baixas abóbadas, descemos, avançamos ainda, tornamos a descer e chegamos, afinal, a uma profunda cripta, cujo ar, rarefeito, fazia com que nossas velas bruxuleassem, ao invés de arder normalmente.
Na extremidade mais distante da cripta aparecia uma outra, menos espaçosa. Despojos humanos empilhavam-se ao longo de seus muros, até o alto das abóbadas, à maneira das grandes catacumbas de Paris. Três do lados dessa cripta eram ainda adornados dessa maneira. Do quarto, os ossos haviam sido retirados e jaziam espalhados pelo chão, formando, num dos cantos, um monte de certa altura. Dentro da parede que, com a remoção dos ossos, ficara exposta, via-se ainda outra cripta ou recinto interior, de uns quatro pés de profundidade, três de largura e seis ou sete de altura. Não parecia haver sido construída para qualquer uso determinado, mas construir apenas um intervalo entre os dois enormes pilares que sustinham a cúpula das catacumbas, tendo por fundo uma das paredes circundantes de sólido granito.
Foi em vão que Fortunato, erguendo sua vela bruxulante, procurou divisar a profundidade daquele recinto. A luz, fraca, não nos permitia ver o fundo.
-- Continue - disse-lhe eu. O Amontillado está aí dentro. Quanto a Luchesi...
-- É um ignorante - interrompeu o meu amigo, enquanto avançava com passo vacilante, seguido imediatamente por mim.
Num momento, chegou ao fundo do nicho e, vendo o caminho interrompido pela rocha, deteve-se, estupidamente perplexo. Um momento após, eu já o havia acorrentado ao granito, pois que, em sua superfície, havia duas argolas de ferro, separadas uma da outra, horizontalmente, por um espaço de cerca de dois pés. De uma delas pendia uma corrente; da outra, um cadeado. Lançar a corrente em torno de sua cintura, para prendê-lo, foi coisa de segundos. Ele estava demasiado atônito para oferecer qualquer resistência. Retirando as chaves, recuei alguns passos.
-- Passe a mão pela parede - disse-lhe eu. -- Não poderá deixar de sentir o salitre. Está, com efeito, muito úmida. Permita-me, ainda uma vez, que lhe implore para voltar. Não? Então positivamente, tenho de deixá-lo. Mas, primeiro, devo prestar-lhe todos os pequenos obséquios ao meu alcance.
-- O Amontillado! - exclamou o meu amigggo, que ainda não se refizera de seu assombro.
-- É verdade - respondi - o Amontilladooo.
E, dizendo essas palavras, pus-me a trabalhar entre a pilha de ossos a que já me referi. Jogando-os par o lado, deparei logo com uma certa quantidade de pedras de construção e argamassa. Com este material e com a ajuda da minha colher de pedreiro, comecei ativamente a tapar a entrada do nicho. Mal assentara a primeira fileira de minha obra de pedreiro, quando descobri que a embriaguez de Fortunato havia, em grande parte, se dissipado. O primeiro indício que tive disso foi um lamentoso grito, vindo do fundo do nicho. Não era o grito de um homem embriagado. Depois, houve um longo e obstinado silêncio. Coloquei a segunda, a terceira e a quarta fileiras. Ouvi, então, as furiosas sacudidas da corrente. O ruído prolongou-se por alguns minutos, durante os quais, para deleitar-me com ele, interrompi o meu trabalho e sentei-me sobre os ossos. Quando, por fim, o ruído cessou, apanhei de novo a colher de pedreiro e acabei de colocar, sem interrupção, a quinta, a sexta e a sétima fileiras. A parede me chegava, agora, até a altura do peito. Fiz uma nova pausa e, segurando a vela por cima da obra que havia executado, dirigi a fraca luz sobre a figura que se achava no interior.
Uma sucessão de gritos altos e agudos irrompeu, de repente, da garganta do vulto acorrentado, e pareceu impelir-me violentamente para trás. Durante breve instante, hesitei... tremi. Saquei de minha espada e pus-me a desferir golpes no interior do nicho; mas um momento de reflexão bastou par tranquilizar-me. Coloquei a mão sobre a parde maciça da catacumba e senti-me satisfeito. Tornei a aproximar-me da parede e respondi aos gritos daqueleque clamava. Repeti-os, acompanhei-os e os venci em volume e em força. Fiz isso, e o que gritava acabou por silenciar.
Já era meia-noite, a minha tarefa chegava ao fim. Completara a oitava, a nona e a décima fileiras. Havia terminado quase toda a décima primeira - e restava apenas uma pedra a ser colocada e rebocada em seu lugar. Ergui-a com grande esforço, pois que pesava muito, e coloquei-a, em parte, na posição a que se destinava. Mas então, saiu do nicho um riso abafado que me pôs os cabelos em pé. Seguiu-se uma voz triste, que tive dificuldade em reconhecer como sendo a do nobre Fortunato. A voz dizia:
-- Ah! ah! ah!... eh! eh! eh!... Esta ééé uma boa piada! Vamos rir muito no palazzo por causa disso... ah! ah! ah!... por causa do nosso vinho... ah! ah! ah!
-- O Amontillado! - disse eu.
-- Ah! ah! ah!... sim sim... o Amontillllado. Mas não está ficando tarde? Não estarão nos esperando no palácio... a Sra. Fortunato e os outros? Vamos embora.
-- Sim - respondi - vamos embora. -- Pelo amor de Deus, Montresor!
-- Sim - respondi - pelo amor de Deus!
Mas esperei em vão qualquer resposta a estas palavras. Impacientei-me. Gritei alto:
-- Fortunato!
Nenhuma resposta. Tornei a gritar: -- Fortunato!
Ainda agora, nenhuma resposta. Introduzi uma vela pelo orifício que restava e deixei-a cair dentro do nicho. Chegou até mim, como resposta, apenas um tilintar de guizos. Senti o coração opresso, sem dúvida devido à umidade das catacumbas. Apressei-me para terminar o meu trabalho. Com esforço, coloquei em seu lugar a última pedra - e cobri-a com argamassa. De encontro à nova parede, tornei a erguer a antiga muralha de ossos. Durante meio século, mortal algum os perturbou. In pace requiescat!**
Notas:
* Ninguém me fere impunemente.
** Descanse em paz!